A abertura democrática em Cabo Verde e realização das primeiras eleições livres no arquipélago aconteceram depois de um período de grandes alterações na sociedade das nações. A queda do muro de Berlim, o fim da guerra fria e o desmoronamento da União Soviética foram o prelúdio de uma nova era global, em que o mundo ainda assistiu à invasão do Kuwait e à eleição de Slobodan Milosevic e parou para, emocionado, acompanhar a libertação de Nelson Mandela.
1980: E o muro finalmente caiu
Janeiro, 20. Nos Estados Unidos, uma mudança de protagonistas: George Bush, pai, toma posse como presidente. Sucede no cargo a Ronald Reagan, o mesmo que, em 1983, ao dirigir-se à Associação Nacional de Evangélicos, em Orlando, Flórida, afirmara acreditar que “o comunismo é um capítulo triste e bizarro da história humana”.
Ainda Bush não aqueceu o lugar e no Afeganistão, a União Soviética põe fim a nove anos de ocupação. A última coluna militar abandona simbolicamente Cabul a 2 de Fevereiro.
Do outro lado do globo, a queda de um ditador: Alfredo Stroessner, à frente dos destinos do Paraguai desde 1954, é derrubado depois de um golpe militar.
Da URSS, um sinal: as eleições de Março para o Parlamento ditam um enfraquecimento da posição comunista. Poucas semanas mais tarde, a 7 de Abril, um dos submarinos da potência bélica afunda-se no mar de Barents e leva consigo a vida de 41 homens.
Na Europa de Leste, Lech Walesa assiste finalmente à legalização do seu Solidariedade que é autorizado, ao mesmo tempo, a participar, nas eleições agendadas para 4 de Junho.
Por esta altura já o velho continente respira ventos de transformação. A diplomacia intensifica a sua actividade. Torna-se cada vez mais evidente que a cortina de ferro está prestes a abrir-se. Antevendo o que Novembro significaria, a Hungria entreabre a sua parte: 240 quilómetros na fronteira com a Áustria. Foi a 2 de Maio.
Nesse mesmo mês, 12 dias mais tarde, Gorbachev, o mesmo que viria a ganhar o Nobel da Paz pelo seu contributo para o fim da Guerra Fria, aterra na China. Foi a primeira visita a Pequim de um líder soviético em quase 40 anos.
Mikhail pisa o solo da República Popular num período conturbado para os propósitos do partido único chinês. Em Tiananmen desenha-se aquele que viria a ser um dos mais sangrentos massacres da história. A 4 de Junho, os militares disparam indiscriminadamente sobre os manifestantes, na sua maioria estudantes e intelectuais. Terão morrido alguns milhares de pessoas. Os números oficiais indicam apenas 241 baixas, mas um documento secreto do KGB, recentemente tornado público, avança com 3 mil vítimas mortais.
No dia 19, o activista Tadeusz Mazowiecki, do partido polaco Solidariedade, é escolhido, no seu pais, como primeiro chefe de governo não comunista em 42 anos.
Enquanto a Polónia reage à escolha de um novo rumo, Austríacos e Húngaros sentam-se no chão e partilham uma refeição lendária. As fronteiras entre os dois países são abertas – ainda que timidamente – para um piquenique que funciona como antecâmara do tratado rubricado a 23 de Agosto e que elimina, definitivamente, as restrições que, durante anos, mantiveram os dois países vizinhos de costas voltadas. Dois meses mais tarde viria a ser proclamada a nova República da Hungria, sem o Popular que até então prevalecera.
Estava ferida de morte a divisão a que a Europa e o mundo estavam condenados desde o final da II Guerra Mundial, como doente estava Erich Honecker. A 18 de Outubro, o líder comunista da Deutsche Demokratische Republik, República Democrática da Alemanha, não tem outra solução: abandona o poder. Dias mais tarde, o governo segue-lhe o exemplo e deixa o Presidente Egon Krenz sozinho e sem base de apoio.
A 9 de Novembro, um lapso acaba por precipitar o que já se percebia ser inevitável. Em conferencia de imprensa, Günter Schabowski antecipa-se e informa, em directo para quem o quis ouvir, que a partir daquele momento é possível viajar entre os dois lados do ‘muro da vergonha’. A euforia toma conta dos populares e as imagens que se seguem perpetuam-se através das objectivas dos fotógrafos e lentes dos repórteres de imagem.
Ainda muitos alemães não chegaram à cama e, na Bulgária, o dia 10 amanhece com uma mudança de nomes: Petar Mladenoy substitui Todor Zhivkov e muda o nome do partido Comunista, que daí por diante passa a ser Socialista.
A queda do Muro de Berlim acaba por ser a inspiração que faltava para uma série de alterações profundas que se seguiram. Na América latina, o Brasil realiza, no dia 12, as primeiras eleições presidências livres desde 1960. Em pouco tempo, pela primeira vez na história, todos os países daquela região do globo, com excepção de Cuba, serão dirigidos por governos constitucionais.
Dia 17, a então Checoslováquia salta para as primeiras páginas dos jornais. Em Praga, milhares de estudantes iniciam um protesto pacífico contra o regime comunista. O número de manifestantes cresce ao longo dos dias seguintes e, a 20 de Novembro, atinge os 500 mil. Perante a pressão popular, o Partido checo anuncia a abertura do regime a outras forças politicas. Semanas depois, as eleições ditam a escolha de um governo com uma nova cor.
A 3 de Dezembro, um encontro histórico junta George Bush e Mikhail Gorbachev, em Malta. No final da reunião, os dois líderes mundiais anunciam aquilo que todos esperavam ouvir: a guerra fria está prestes a tornar-se apenas uma recordação.
Antes do Natal, na Roménia, e depois de uma semana violenta, marcada pela morte de muitos opositores, as operações militares contra os revolucionários chegam ao fim com sucesso para aqueles que exigem a queda do ditador Nicolae Ceausescu, que é executado, com a sua mulher, no dia 25, acusado de crimes contra a humanidade.
Ceausescu morre quatro dias antes de Václav Havel ser eleito presidente da agora República Checa.
1990: Mandela livre e Kuwait ocupado
Por instantes, a queda do Muro de Berlim criou a ilusão de que a paz se tornou um paradigma mundial. Cedo se percebeu, contudo, que a expectativa daria lugar à frustração.
Janeiro começa com uma grande manifestação na Lituânia. Os protestos centram-se num único propósito: a independência.
Ímpetos independentistas que se alastram, ainda em Janeiro, ao Azerbeijão. Sob as ordens de Gorbachev, o exército soviético ocupa a cidade de Baku. Resultado: 130 mortos e 700 feridos.
Mas a história faz-se de detalhes. No último dia do primeiro mês de 1990 abre em Moscovo o primeiro McDonald’s. Milhares de pessoas correm para experimentar o sabor do Big Mac.
No extremo sul do continente africano as atenções centram-se num único homem: Nelson Mandela. Depois de 27 anos atrás das grades, Mandela é libertado a 11 de Fevereiro, no cumprimento de uma promessa feita pelo presidente sul-africano, F.W. de Klerk. 48 horas mais tarde, as duas Alemanhas assinam um plano para a reunificação.
Depois das manifestação de Janeiro, em Março, a Lituânia volta às primeiras páginas dos jornais, ao proclamar a sua independência. A declaração formal é feita no dia 11 e recusada pela União Soviética menos de uma semana depois.
A 21 de Março, a Namíbia retoma a soberania, depois de 75 anos de domínio da África do Sul.
É preciso esperar pelo primeira dia de Junho para que se assista a um dos momentos mais importantes no caminho para o fim da guerra fria. Os presidentes norte-americano e soviético rubricam o tratado que determina o fim da produção de armas químicas e a destruição dos respectivos stocks.
No mês seguinte, a Bielorrússia diz para quem a quiser ouvir que, a partir daquele momento, é um estado soberano.
Acreditava-se num futuro de paz e foi Saddam quem mostrou que a ideia era apenas uma utopia. A 2 de Agosto o Iraque invade o Kuwait e dá início a uma escalada de tensão no médio oriente, que tem o seu apogeu em 91, com a eclosão da Guerra do Golfo.
Com as atenções centradas nos propósitos do ditador iraquiano, o verão de 1990 produz ainda uma notícia esperada: República Federal da Alemanha e República Democrática da Alemanha voltarão a ser uma só nação a partir de 3 de Outubro. O processo de reintegração ficaria completo menos de um ano depois da queda do muro.
Chegados a Outubro, e já depois da declaração unilateral da independência do Azerbeijão, um anúncio: o comité Nobel decide galardoar o presidente Mikhail Gorbachev com o prémio Nobel da paz.
Em Novembro, o Conselho de Segurança das Nações unidas aprova a Resolução 678, que autoriza a guerra no Iraque. É dado um prazo ao governo de Saddam Hussein para que ordene a retirada das suas tropas dos territórios ocupados do Kuwait até 15 de Janeiro de 1991. Data limite que, como se sabe, não chega a ser cumprida.
Apesar da guerra eminente, não passam despercebidas dois outros destaques de primeira página. A 9 de Dezembro, na Polónia, Lech Walesa é eleito, à segunda volta, e confirmado como Presidente da República. O mesmo cargo que, na Sérvia, é assumido por um homem que o mundo passa a conhecer pelas piores razões: Slobodan Milosevic.
Publicado no Expresso das Ilhas (Cabo Verde), n.º 476, de 12 de Janeiro de 2010
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