sexta-feira, 9 de abril de 2010

Os dois lados da revolta

A Guiné está de novo debaixo de uma enorme tensão. A 1 de Abril, António Indjai e Bubo Na Tchuto lideraram uma revolta militar, que levou à prisão do Primeiro-ministro, Carlos Gomes Junior – entretanto libertado – e do Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, José Zamora Induta. A instabilidade política no país não é uma novidade e o normal funcionamento das instituições democráticas voltou a ser adiado.


António Indjai

Até há pouco vice-chefe de Estado-maior, o número dois da hierarquia militar guineense aliou-se a Bubo Na Tchuto e destituiu o seu antigo superior.

Indjai já tinha sido adjunto de Baptista Tagme Na Waie, morto um dia antes do assassinato de Nino Viera.

O seu poder nas forças armadas é expressivo. Sob a sua égide estavam o batalhão de Mansoa, o maior e mais poderoso do país.

No final de Março, teria deixado o cargo, por suspeitas de ligação a uma rede de narcotráfico. Deveria estar em Havana, “a receber tratamento médico”.


Bubo Na Tchuto

O outro protagonista da revolta de 1 de Abril é descrito como “um dos mais temíveis guerreiros” guineenses. Carlos Narciso, jornalista português, que o entrevistou durante a guerra civil que assolou o país recorda que, à data, Bubo Na Tchuto “vestia a farda de uma dos oficiais inimigos mortos em combate”.

O antigo comandante da Armada estava refugiado nas instalações da ONU, em Bissau. Sobre ele recai uma acusação de tentativa de golpe de Estado. Durante a revolta de 1 de Abril, saiu das instalações das Nações Unidas e mostrou-se disposto a “cometer barbaridades”.


Carlos Gomes Junior

O Primeiro-ministro da Guiné-Bissau nasceu a 19 de Dezembro de 1949. Na manhã de 1 de Abril foi feito refém. Horas mais tarde foi novamente conduzido ao seu gabinete, na viatura de um oficial das Forças Armadas, de onde saiu para casa, sob controlo militar.

Viria a reassumir funções, mas especula-se sobre a sua substituição. O próprio e o partido que dirige (PAIGC) negam essa possibilidade, embora o líder do executivo admita sair “quando for factor de instabilidade”. Na Tchuto quer que Júnior responda “pelos actos que praticou”, mas não especificou quais.


José Zamora Induta

Zamora Induta, de 44 anos, detido e deposto do cargo de chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMFA) da Guiné-Bissau, assumiu funções em Março de 2009.

Foi confirmado no cargo, depois de ter exercido funções interinamente, após os assassínios do antigo CEMGFA, general Tagmé Na Waié, e do ex Presidente, Nino Vieira.

Detidos com Zamora Induta foram vários oficiais superiores. Entre eles, o coronel Samba Djaló, director da contra inteligência militar.


Publicado no Expresso das Ilhas (Cabo Verde) 436, de 7 de Abril de 2010

Chegou a hora da decisão

Britânicos vão às urnas a seis de Maio. Dois homens disputam o número 10 de Downing Street. Só um pode ganhar.

A data era dada como certa. Apesar disso, o encontro de ontem do primeiro-ministro britânico com Isabel II foi aguardado com grande expectativa. Seguindo o protocolo, Gordon Brown foi a Buckingam Palace pedir a Isabel II a dissolução do Parlamento e a convocação de eleições legislativas. Assim será. Os britânicos vão às urnas em menos de um mês, a seis de Maio.

A escolha é simples: De um lado, o actual chefe de Governo, não eleito, que substituiu Tony Blair, quando este renunciou ao cargo. Do outro, David Cameron, o ambicioso líder do Partido Conservador, arredado do poder há treze anos.

O que está em jogo é, por ventura, mais complexo. Se é certo que o líder trabalhista joga, neste round, uma cartada decisiva no seu futuro político – afinal Brown é Primeiro-Ministro sem nunca ter vencido eleições – não é menos verdade que os conservadores precisam de chegar ao poder e afastar de vez os fantasmas de John Major e Margaret Thatcher. Cameron quer provar que o seu partido ainda é capaz de chegar ao Governo, mas sabe que pode ser traído pela sua ‘tenra idade’.

Para que lado vai pender a balança? A resposta será conhecida dentro de poucas semanas.



Partido Conservador
David Cameron

“Tudo se resume a não ter de aguentar mais cinco anos de Gordon Brown”. A frase de David Cameron foi proferida às primeiras horas da manhã de terça-feira, pouco depois da oficialização da data das eleições legislativas de seis de Maio.

“Mudança” tem sido a palavra mais ouvida nos últimos tempos entre os conservadores, à qual se juntou um quase slogan: “voto pela esperança, voto pelo optimismo e voto pela mudança”.
David William Donald Cameron nasceu a 9 de Outubro de 1966. É o actual líder do Partido Conservador.

Depois de 40 anos a eleger presidentes de origens humildes, os conservadores deixaram-se convencer pelos argumentos de um aristocrata, eleito em 2005, e que tem agora a grande oportunidade de mostrar, afinal, o que vale.

O que se sabe de Cameron vai do 8 ao 80. Por um lado, faz parte do exclusivo clube Mayfair, do qual também é membro o príncipe Carlos. Por outro, gosta de ‘indie rock’ e desloca-se em Londres na sua bicicleta de montanha. Aliás, é assim que costuma chegar a Westminster.
Os anos 90 representaram a sua entrada no Parlamento.

Alguns opositores acusam-no de imaturidade política e olham para a sua idade como um sinal de incapacidade em lidar com os desafios económicos do país. Resta saber o que dirão os eleitores.



Partido Trabalhista
Gordon Brown

“É provavelmente o segredo menos bem guardado dos últimos anos, mas a rainha aceitou dissolver o Parlamento e as legislativas vão realizar-se a 6 de Maio”, disse ontem Gordon Brown, à saída do encontro com Isabel II.

“A Grã-Bretanha está no caminho da recuperação e nada do que façamos deve ameaçar esse caminho”, acrescentou, antes de voltar a elogiar a gestão que tem feito da crise.

James Gordon Brown nasceu a 20 de Fevereiro de 1951. O actual Primeiro-Ministro britânico chegou ao topo da hierarquia governamental em 2007, com a saída de Tony Blair. Era, até então, Ministro das Finanças e braço direito do carismático líder trabalhista.

Brown é doutorado em história e trabalhou, durante alguns anos, como jornalista televisivo. A política falou mais alto e, em 1983, foi eleito para a Casa dos Comuns.

O seu papel como responsável pela pasta das finanças conferiu-lhe alguma credibilidade. Foi o autor de uma ousada e bem sucedida reforma monetária e fiscal.

O maior problema do presidente dos ‘Labours’ é a falta de popularidade. O seu ‘cinzentismo’, em contraste com a notoriedade de Blair, a par de algumas gafes embaraçosas, colocaram-no numa posição difícil.

Tem vindo a recuperar terreno - e a gestão da crise internacional correu-lhe bem - mas não é certo que isso seja suficiente para vencer a corrida.


Publicado no Expresso das Ilhas (Cabo Verde) 436, de 7 de Abril de 2010

Morreu o homem que sonhava com um país de brancos


O líder extremista sul-africano foi morto em sua casa por dois camponeses. Defensor da supremacia racial branca, nunca se conformou com o fim do apartheid.

As semelhanças entre a bandeira do movimento que liderava e a cruz suástica do Partido Nazi alemão não deixam grande margem para dúvidas sobre as intenções de Eugène Terre’Blanche, o líder da extrema-direita sul-africana, morto sábado à noite, na sua quinta, em Ventersdorp.

Terre’Blanche foi um dos rostos do apartheid. Durante o regime, chegou a dirigir os serviços secretos do país. Com o fim da divisão racial, afirmou-se como líder do Afrikaner Resistance Movement (AWB), partido que recuperou recentemente a sua força e protagonismo.

Quando foi atacado, estaria sozinho na propriedade onde morava. A polícia ainda o encontrou com vida.

Um jovem de 15 anos confessou a autoria do crime. O menor, que pastoreava gado para o supremacista branco, terá dito à sua mãe que ele e um antigo trabalhador da quinta espancaram Terre’Blanche até à morte, porque este não lhes pagava o salário “há vários meses”.

Em entrevista à AP Television News, um dos alegados autores relatou que quando perguntaram pelo pagamento dos seus salários, em dívida desde Dezembro, Terre'Blanche disse-lhes que se assegurassem primeiro que todo o gado tinha regressado da pastagem. Depois de o terem feito, Terre’Blanche continuou a não lhes pagar. O trabalhador mais velho, de 21 anos, saiu e voltou armado. Os dois golpearam a vítima e, em seguida, entregaram-se na esquadra da polícia. Segundo o agressor, as suas últimas palavras foram de ameaça: “vou matar-vos e atirar-vos para o inferno.”

O crime aconteceu num país que tem uma das mais elevadas taxas de assassínios diários: 50, num universo de 50 milhões de habitantes.

Aumento da tensão racial

O assassinato do fazendeiro e líder político, de 69 anos, provocou um imediato aumento das tensões raciais na África do Sul.

Membros do partido de Terre’Blanche, AWB, apressaram-se a acusar o líder da juventude do Congresso Nacional Africano (ANC), Julius Malema, de ter espalhado “um discurso de ódio”.
Em causa está uma canção entoada por Malema, num encontro com jovens. “Kill the Boer”. Em afrikaans, “boer” significa agricultor, mas o termo é usado para designar os brancos.

A letra do tema é de tal forma polémica que o Supremo Tribunal sul-africano já a proibiu. O ANC contesta a decisão e justifica a sua sucessiva utilização como um apelo à herança cultural do país.
De acordo com o presidente da associação de agricultores AgriSA, Johannes Moller, tem havido um número crescente de ataques a quintas nas últimas semanas. Desde 1994, altura da abertura democrática, mais de 1700 agricultores brancos e 1600 trabalhadores rurais negros foram mortos.

Terre’Blanche fora condenado a seis anos de prisão em 2001 – só cumpriu metade da pena – por tentativa de assassínio de um antigo guarda de segurança, Paul Motshabi, que ficou paralisado e incapaz de falar durante meses.

André Thomashausen, professor de Direito Internacional Comparado, na Universidade da África do Sul (UNISA), citado pela agência Lusa, entende que “o assassínio brutal e extremamente violento de Eugene Terre’Blanche se insere num quadro de homicídios igualmente brutais e sistemáticos de brancos de origem Afrikaner”.

Campeonato do Mundo ameaçado

A tensão que se gerou após a notícia chegou mesmo ao Mundial de 2010, a poucos meses do início da competição. Um membro do AWB avisou os países que estarão presentes no campeonato de futebol para não enviarem as suas selecções para “uma terra de assassinos”.

Andre Visagie, sentenciou que a morte de Terre’Blanche “é uma declaração de guerra” dos negros contra os brancos.

“Vamos avisar essas nações: ‘estão a mandar as vossas selecções para uma terra de assassinos’. Não o façam, se não tiverem protecção suficiente para elas”, avisou.

Em resposta, o presidente da África do Sul, Jacob Zuma, apelou à calma, pedindo aos “sul-africanos para não permitirem que agentes provocadores possam tirar vantagem da situação para incentivar ou incendiar o ódio racial”.

Numa leitura da situação, o director do jornal português O Século de Joanesburgo, Varela Afonso, manifestou não ter dúvidas de que está a ser feito um “aproveitamento político” da morte do líder político.

“Estão a aproveitar-se porque o Mundial de Futebol é a bandeira do país. É um aproveitamento político”, entende o jornalista.

O Campeonato Mundial de Futebol 2010 disputa-se de 11 de Junho a 11 de Julho, na África do Sul. Trata-se da primeira vez que um país africano acolhe a fase final do torneio.


Publicado no Expresso das Ilhas (Cabo Verde) 436, de 7 de Abril de 2010