quinta-feira, 14 de julho de 2011

Sub-Saharan Africa should return to pre-crisis growth rate in 2011, says IMF


MAPUTO, Mozambique – Economic growth rates in sub-Saharan Africa should return this year to the high levels seen in the mid-2000s, before the international credit crunch, driven by an increase in global trade and a rise in the prices of raw materials, says the International Monetary Fund (IMF).

The countries of sub-Saharan Africa should grow 5.5 percent on average in 2011, not far behind the average growth rate of 6.6 percent seen between 2004 and 2008, the year in which the global recession began. The region’s recovery is thanks in part to improved economic policies that many countries put in place before the crisis, according to Victor Lledo, the IMF’s resident representative in Mozambique.

Oil exporting countries are showing the strongest recovery while the outlook is less favourable for middle-income countries - a group dominated by South Africa - where the recovery will be more gradual. However, high food and fuel prices could still have a negative affect on the region’s recovery, leading to higher inflation in many countries.

“Africa, unlike during other crises, has shown more resilience,” Lledo said, speaking to journalists from Portuguese-speaking African countries on a financial and economic reporting course in late June in Maputo.

“This resilience has been evident across sub-Saharan Africa, primarily thanks to better economic policies adopted before the global recession,” he told the course, organised by the Thomson Reuters Foundation and the Norwegian Agency for Development Cooperation (NORAD) at the Mozambican parliament.

POVERTY REDUCTION STAGNATES IN MOZAMBIQUE

Following strong average growth rates in the mid-2000s, growth in sub-Saharan Africa slumped in 2009 to 2.8 percent. Last year, the region showed its first signs of recovery, growing at 5 percent.

Growth for 2012 is forecast at 6 percent, according to the IMF’s regional outlook for the region, published in April.

Mozambique is one of the African nations that will continue to show strong growth, Lledo said. This year, the country’s Gross Domestic Product (GDP) will grow at an inflation-adjusted rate of 7.25 percent and 8 percent over the medium-term, according to IMF forecasts.

However, this strong growth is not benefiting the population as hoped.

“Mozambique is showing sustained growth but poverty reduction has stagnated,” Lledo added.

Mozambique grew at an average of 7.8 percent in the four years before the economic crisis and is among the ten countries in the world that have shown the strongest growth rates since 2000.

However, it continues to be one of the poorest countries in the world and was ranked 165 out of 169 on the United Nations’ Human Development Index in 2010, followed only by Burundi, Niger, the Democratic Republic of Congo and Zimbabwe.

Inflation, meanwhile, is slowing and the IMF forecasts inflation of 9.5 percent this year, compared with 12.7 percent in 2010. This trend should continue in 2012.

“Inflation seems to be evolving in a satisfactory way,” added Lledo.


Publicado em Trust Media (Thomson Reuters Foundation), a 8 de Julho de 2011

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Santo Antão: Nós, a montanha e o mar

A mais montanhosa das ilhas de Cabo Verde é um destino cobiçado por turistas que procuram o contacto directo com a natureza. Longe dos grandes hotéis e resorts, chegam de França, da Alemanha e de outros países do norte da Europa. O turismo de natureza em Santo Antão, numa reportagem feita com muitos quilómetros nas pernas.

O sol das 11 horas é quente. O Hiace não vai cheio e no seu interior são quase todos turistas. A viagem desde o Porto Novo é rápida e inclui uma paragem, pouco antes da localidade de Janela, para uma curta sessão fotográfica. O cenário é perene e ergue-se imponente à vista de todos. A montanha e o mar. Ouve-se um "ah", seguido de um "uau", rematado com o definitivo "incroyable [incrível]", indício da eventual nacionalidade dos companheiros de viagem.

"Français? [francês]". "Oui [sim]". Raphael veste caqui. A aparência não ilude. Está ali para caminhar e se dúvidas restassem, o próprio cuida de as esclarecer rapidamente. "É a minha primeira vez em Santo Antão. Estive no Sal há uns 10 anos, mas agora quis vir conhecer esta ilha que faz mais o meu género. Não gosto de hotéis cheios de gente. Prefiro estar rodeado de natureza". Habituado a percorrer muitos quilómetros a pé, obriga-se a transportar apenas o essencial. Os poucos pertences de que precisará nos quinze dias seguintes, a passar entre subidas e descidas, cabem na mochila que arrumou no tejadilho da carrinha. "Muito peso só atrapalha".

Junta-se à conversa Louís. "Marcel, Louis Marcel", esclarece. "Pode tratar-me por um nome ou pelo outro". Escolhemos o primeiro e prosseguimos. "Já venho para Santo Antão há muito tempo. Nunca me canso. Conheço todas as ilhas de Cabo Verde, mas esta é a minha preferida".

O veterano também é francês (são-no grande parte dos caminhantes que chegam de fora). "Isto é quase uma peregrinação. Quando me reformar mudo-me para cá definitivamente".

Quem não esperou pela reforma para mudar de vida foram Dominique e Katelijne. Francesa e belga. Foi do Sal que vieram e a sua história conta-se assim: durante dez anos trabalharam juntas num dos ‘resorts' da principal ilha turística do país. Um dia, Dominique percebeu que lhe faltava um refúgio. Do aeroporto Amílcar Cabral apanhou o avião para São Vicente e daí o barco para Porto Novo. Perdidas no Vale do Paul estavam as quatro paredes que serviram de inspiração para o que é hoje a ‘Casa das Ilhas'.

Ei-la lá em cima. Pintada de amarelo, no topo da montanha. "Casa das Ilhas, quartos, 15 minutos", lê-se na placa que convida à subida. O quarto de hora é a pé, entenda-se. Calor, sede e suor em bica. A tudo isso parecem ficar indiferentes os dois homens com a [aparentemente] fácil missão de carregar as malas dos hóspedes encosta acima. Com mestria e treino, rapidamente ganham distância.

Katelijne recebe os forasteiros. "Venha comigo para beber água e lavar a cara".

A vista é arrebatadora. O vale estende-se até ao oceano, rasgando as montanhas rochosas que ainda conservam o verde, apesar dos muitos meses que passaram desde as últimas chuvas.

"Começámos por fazer uma coisa pequena e mesmo antes de abrirmos já tínhamos clientes. Tivemos de dar a nossa cama, porque eles subiram e já não quiseram descer", recorda Dominique.

O cenário mudou ligeiramente. Na sombra do alpendre corre uma aragem. Há um cão. Afinal são dois. Chega uma criança. "O que é que se diz?", pergunta a francesa que desistiu de ter carro "porque aqui não vale a pena". "Bom dia", responde. "É o meu filho".

A casa ficou pronta em Setembro de 2006. "Percebemos que havia potencial". O lugar tornou-se conhecido. "Primeiro, tivemos o voto de confiança de alguns operadores turísticos com os quais já trabalhávamos. Depois, começou a ser o boca a boca, que é sempre a melhor publicidade".

Hoje, são nove os quartos, de decoração simples mas cuidada. Não raras vezes a lotação está esgotada.

Dominique e Katelijne mudaram radicalmente o seu dia-a-dia. Chegadas a Santo Antão, a sua principal preocupação foi integrarem-se na comunidade para a qual contribuem e da qual dependem. Instalaram um jardim infantil e recebem diariamente dezasseis crianças da vizinhança.
O seu projecto turístico criou uma dinâmica local que fazem questão de realçar. Além dos empregos directos, dosfuncionários da Casa das Ilhas, oferecem uma oportunidade de obtenção de rendimentos a um conjunto mais alargado de pessoas, dos carregadores de malas - os irmãos de há pouco e a mãe destes, a mais ágil dos três - ao carpinteiro, passando pelas vendedoras de frutas e legumes.

Na equação entra, contudo, alguma perplexidade. "Eu não suporto essa nova mania do país em abrir estradas que não levam a nenhum lado. Eu prefiro andar a pé, mas chegar ao fim do caminho e encontrar alguma coisa, do que andar de carro e chegar ao fim da estrada e não ver lá nada", desabafa Dominique.

"Em Santo Antão ainda está tudo por fazer. É preciso criar as condições para que as pessoas se fixem cá". Para superar esse desafio, o turismo pode desempenhar um papel importante, acreditam as duas sócias e amigas.

"Mas o turismo em Santo Antão tem de ser uma coisa muito calma e bem-feita", alertam em conjunto, apontando para a Ponta do Sol como o exemplo do que "não deve ser feito".

"Ponta do Sol o que é agora? É um cogumelo gigante de prédios".

"Queremos que os turistas deixem cá o dinheiro. Queremos que as pessoas que estão à beira dos caminhos possam trabalhar. Então vamos integrar toda a gente e fazer com que elas tenham alguma coisa a ganhar e por isso não sintam necessidade de sair daqui para outras ilhas ou outros países", sugere Katelijne enquanto acena a um casal de hóspedes que, já refeito dos "15 minutos", se prepara para uma primeira incursão pedestre.

Um escritor

O mais provável é que as crianças italianas não o saibam, ou sequer façam caso disso, mas o autor de muitos dos livros de literatura infanto-juvenil que têm em casa são escritos no Paul. Das mãos de Orazio Minneci saíram obras muito conhecidas no seu país de origem como "Le ventisette valige di Ennesimo Quaranta" ou "Tutti gli spasimanti di Mery Diana del Sol". Poupamo-nos as traduções.

Orazio chegou a Santo Antão em 1995. No seu país natal era bibliotecário e dirigia um centro cultural. A falta de tempo para se dedicar àquilo de mais gosta - a escrita, como se percebe - obrigou-o a mudar de país.

Porquê Cabo Verde? "Foi dedo no mapa", confessa. Sabia pouco do arquipélago, até porque, "naquela altura, este país era praticamente desconhecido".

"Eu não sou um comerciante, não sou restaurador e não tenho nada a ver com a actividade turística", admite. Ainda assim, foi da sua vontade que nasceu a Aldeia Jerome.

Na Vila das Pombas - agora cidade - escondida atrás de outras casas e acessível por uma passagem que passa despercebida a quem não a procurar bem, o refúgio do escritor italiano é, por si, um estímulo à imaginação. Primeiro, o verde denso de muitas árvores e arbustos, apenas rasgado por um caminho de pedra. Trinta metros depois, as casas por onde se distribuem os oito quartos, sem número, mas com o nome de heróis de narrativas imortais.

"Os turistas que recebemos são pessoas que querem conhecer. Gente de um nível cultural e económico ligeiramente mais alto do que aqueles que procuram o turismo de massas. Quem chega, quer integrar-se e saber".

Quererá também consumir os produtos locais. Pode fazê-lo ao pequeno-almoço, com doce, queijo, iogurte e fruta, mas terá dificuldade em encontrar postos de venda, nomeadamente ao longo dos caminhos referenciados nos guias turísticos internacionais e procurados pelos montanhistas.

"Além da cana-de-açúcar, não existe uma produção contínua. O transporte é difícil", refere Orazio. "É mais fácil encontrar produtos de Santo Antão à venda em São Vicente que propriamente aqui na ilha".

Faltará, acredita, alguma estratégia aos agricultores. "Se tivessem outra visão, poderiam montar, ao longo dos trilhos, vendas dos produtos que produzem".

"O sector turístico garantia o mercado para os produtores. E os produtores garantiam o abastecimento do sector turístico".

Algo que já acontece, no entender do presidente da Associação de Municípios de Santo Antão.

"Acho que já há um interface entre agricultura e o turismo. Quando alguém visita a ilha pode encontrar produtos da terra. Há legumes, frutas e pecuária, além da própria pesca", entende Amadeu Cruz.

"Creio que, nesta altura, no Tarrafal de Monte Trigo, Vale do Paul e Vale da Garça, o consumo maioritário é da produção local", acrescenta o também autarca de Porto Novo que não deixa de reconhecer algumas dificuldades e falhas que precisam de ser ultrapassadas.

"Há um défice de informação turística". Nesse sentido, existe um projecto para aproveitar as antigas sentinas e fontanários municipais, entretanto desactivados, reconvertendo os espaços em postos de informação e prestação de serviços.

"Nesses locais será possível, por exemplo, a venda de um café, de uma garrafa de água ou de informação especializada sobre os circuitos. São coisas que podemos fazer com criatividade e imaginação", revela.

O rumo está definido, garante Amadeu Cruz. É o do "turismo de natureza e turismo ecológico ligado às montanhas". Agora, o presidente da Associação de Municípios local quer que as autoridades públicas - do Governo às câmaras municipais - se engajem na divulgação das singularidades da região.

"É necessário que a promoção turística de Cabo Verde, além do turismo de massas da Boa Vista, do Sal e do Maio, aposte no turismo étnico de Santo Antão, mas também de Santiago ou do Fogo. Se o fizermos, estaremos a agregar valor ao país".

País insular ao qual as irmãs Hanne e Angelika prometem voltar. Em Porto Novo, sentadas numa esplanada com vista para o ‘canal', despedem-se do esplendor natural da ilha mais a norte do arquipélago.

Ensaiam algumas palavras em crioulo com a empregada de mesa. A tentativa sai gorada e no mais universal inglês acabam por pedir uma cerveja nacional. "Gostámos muito. Só temos pena que algumas coisas não estejam bem assinaladas. Tivemos algumas dificuldades em descobrir certos caminhos",

Em breve iniciarão a viagem de regresso à casa, jornada que terminará no reencontro com Estugarda, cidade alemã da qual são naturais.


Publicado no Expresso das Ilhas (Cabo Verde) n.º 490 de 20 de Abril de 2011

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Crónica: Diversidade

Clicar na imagem para ampliar

Publicado no 'barlavento' (Portugal) n.º 1746, de 24 de Fevereiro de 2011

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Dois anos que [realmente] mudaram o mundo

A abertura democrática em Cabo Verde e realização das primeiras eleições livres no arquipélago aconteceram depois de um período de grandes alterações na sociedade das nações. A queda do muro de Berlim, o fim da guerra fria e o desmoronamento da União Soviética foram o prelúdio de uma nova era global, em que o mundo ainda assistiu à invasão do Kuwait e à eleição de Slobodan Milosevic e parou para, emocionado, acompanhar a libertação de Nelson Mandela.


1980: E o muro finalmente caiu

Janeiro, 20. Nos Estados Unidos, uma mudança de protagonistas: George Bush, pai, toma posse como presidente. Sucede no cargo a Ronald Reagan, o mesmo que, em 1983, ao dirigir-se à Associação Nacional de Evangélicos, em Orlando, Flórida, afirmara acreditar que “o comunismo é um capítulo triste e bizarro da história humana”.

Ainda Bush não aqueceu o lugar e no Afeganistão, a União Soviética põe fim a nove anos de ocupação. A última coluna militar abandona simbolicamente Cabul a 2 de Fevereiro.

Do outro lado do globo, a queda de um ditador: Alfredo Stroessner, à frente dos destinos do Paraguai desde 1954, é derrubado depois de um golpe militar.

Da URSS, um sinal: as eleições de Março para o Parlamento ditam um enfraquecimento da posição comunista. Poucas semanas mais tarde, a 7 de Abril, um dos submarinos da potência bélica afunda-se no mar de Barents e leva consigo a vida de 41 homens.

Na Europa de Leste, Lech Walesa assiste finalmente à legalização do seu Solidariedade que é autorizado, ao mesmo tempo, a participar, nas eleições agendadas para 4 de Junho.

Por esta altura já o velho continente respira ventos de transformação. A diplomacia intensifica a sua actividade. Torna-se cada vez mais evidente que a cortina de ferro está prestes a abrir-se. Antevendo o que Novembro significaria, a Hungria entreabre a sua parte: 240 quilómetros na fronteira com a Áustria. Foi a 2 de Maio.

Nesse mesmo mês, 12 dias mais tarde, Gorbachev, o mesmo que viria a ganhar o Nobel da Paz pelo seu contributo para o fim da Guerra Fria, aterra na China. Foi a primeira visita a Pequim de um líder soviético em quase 40 anos.

Mikhail pisa o solo da República Popular num período conturbado para os propósitos do partido único chinês. Em Tiananmen desenha-se aquele que viria a ser um dos mais sangrentos massacres da história. A 4 de Junho, os militares disparam indiscriminadamente sobre os manifestantes, na sua maioria estudantes e intelectuais. Terão morrido alguns milhares de pessoas. Os números oficiais indicam apenas 241 baixas, mas um documento secreto do KGB, recentemente tornado público, avança com 3 mil vítimas mortais.

No dia 19, o activista Tadeusz Mazowiecki, do partido polaco Solidariedade, é escolhido, no seu pais, como primeiro chefe de governo não comunista em 42 anos.

Enquanto a Polónia reage à escolha de um novo rumo, Austríacos e Húngaros sentam-se no chão e partilham uma refeição lendária. As fronteiras entre os dois países são abertas – ainda que timidamente – para um piquenique que funciona como antecâmara do tratado rubricado a 23 de Agosto e que elimina, definitivamente, as restrições que, durante anos, mantiveram os dois países vizinhos de costas voltadas. Dois meses mais tarde viria a ser proclamada a nova República da Hungria, sem o Popular que até então prevalecera.

Estava ferida de morte a divisão a que a Europa e o mundo estavam condenados desde o final da II Guerra Mundial, como doente estava Erich Honecker. A 18 de Outubro, o líder comunista da Deutsche Demokratische Republik, República Democrática da Alemanha, não tem outra solução: abandona o poder. Dias mais tarde, o governo segue-lhe o exemplo e deixa o Presidente Egon Krenz sozinho e sem base de apoio.

A 9 de Novembro, um lapso acaba por precipitar o que já se percebia ser inevitável. Em conferencia de imprensa, Günter Schabowski antecipa-se e informa, em directo para quem o quis ouvir, que a partir daquele momento é possível viajar entre os dois lados do ‘muro da vergonha’. A euforia toma conta dos populares e as imagens que se seguem perpetuam-se através das objectivas dos fotógrafos e lentes dos repórteres de imagem.

Ainda muitos alemães não chegaram à cama e, na Bulgária, o dia 10 amanhece com uma mudança de nomes: Petar Mladenoy substitui Todor Zhivkov e muda o nome do partido Comunista, que daí por diante passa a ser Socialista.

A queda do Muro de Berlim acaba por ser a inspiração que faltava para uma série de alterações profundas que se seguiram. Na América latina, o Brasil realiza, no dia 12, as primeiras eleições presidências livres desde 1960. Em pouco tempo, pela primeira vez na história, todos os países daquela região do globo, com excepção de Cuba, serão dirigidos por governos constitucionais.

Dia 17, a então Checoslováquia salta para as primeiras páginas dos jornais. Em Praga, milhares de estudantes iniciam um protesto pacífico contra o regime comunista. O número de manifestantes cresce ao longo dos dias seguintes e, a 20 de Novembro, atinge os 500 mil. Perante a pressão popular, o Partido checo anuncia a abertura do regime a outras forças politicas. Semanas depois, as eleições ditam a escolha de um governo com uma nova cor.

A 3 de Dezembro, um encontro histórico junta George Bush e Mikhail Gorbachev, em Malta. No final da reunião, os dois líderes mundiais anunciam aquilo que todos esperavam ouvir: a guerra fria está prestes a tornar-se apenas uma recordação.

Antes do Natal, na Roménia, e depois de uma semana violenta, marcada pela morte de muitos opositores, as operações militares contra os revolucionários chegam ao fim com sucesso para aqueles que exigem a queda do ditador Nicolae Ceausescu, que é executado, com a sua mulher, no dia 25, acusado de crimes contra a humanidade.

Ceausescu morre quatro dias antes de Václav Havel ser eleito presidente da agora República Checa.




1990: Mandela livre e Kuwait ocupado

Por instantes, a queda do Muro de Berlim criou a ilusão de que a paz se tornou um paradigma mundial. Cedo se percebeu, contudo, que a expectativa daria lugar à frustração.

Janeiro começa com uma grande manifestação na Lituânia. Os protestos centram-se num único propósito: a independência.

Ímpetos independentistas que se alastram, ainda em Janeiro, ao Azerbeijão. Sob as ordens de Gorbachev, o exército soviético ocupa a cidade de Baku. Resultado: 130 mortos e 700 feridos.

Mas a história faz-se de detalhes. No último dia do primeiro mês de 1990 abre em Moscovo o primeiro McDonald’s. Milhares de pessoas correm para experimentar o sabor do Big Mac.

No extremo sul do continente africano as atenções centram-se num único homem: Nelson Mandela. Depois de 27 anos atrás das grades, Mandela é libertado a 11 de Fevereiro, no cumprimento de uma promessa feita pelo presidente sul-africano, F.W. de Klerk. 48 horas mais tarde, as duas Alemanhas assinam um plano para a reunificação.

Depois das manifestação de Janeiro, em Março, a Lituânia volta às primeiras páginas dos jornais, ao proclamar a sua independência. A declaração formal é feita no dia 11 e recusada pela União Soviética menos de uma semana depois.

A 21 de Março, a Namíbia retoma a soberania, depois de 75 anos de domínio da África do Sul.

É preciso esperar pelo primeira dia de Junho para que se assista a um dos momentos mais importantes no caminho para o fim da guerra fria. Os presidentes norte-americano e soviético rubricam o tratado que determina o fim da produção de armas químicas e a destruição dos respectivos stocks.

No mês seguinte, a Bielorrússia diz para quem a quiser ouvir que, a partir daquele momento, é um estado soberano.

Acreditava-se num futuro de paz e foi Saddam quem mostrou que a ideia era apenas uma utopia. A 2 de Agosto o Iraque invade o Kuwait e dá início a uma escalada de tensão no médio oriente, que tem o seu apogeu em 91, com a eclosão da Guerra do Golfo.

Com as atenções centradas nos propósitos do ditador iraquiano, o verão de 1990 produz ainda uma notícia esperada: República Federal da Alemanha e República Democrática da Alemanha voltarão a ser uma só nação a partir de 3 de Outubro. O processo de reintegração ficaria completo menos de um ano depois da queda do muro.

Chegados a Outubro, e já depois da declaração unilateral da independência do Azerbeijão, um anúncio: o comité Nobel decide galardoar o presidente Mikhail Gorbachev com o prémio Nobel da paz.

Em Novembro, o Conselho de Segurança das Nações unidas aprova a Resolução 678, que autoriza a guerra no Iraque. É dado um prazo ao governo de Saddam Hussein para que ordene a retirada das suas tropas dos territórios ocupados do Kuwait até 15 de Janeiro de 1991. Data limite que, como se sabe, não chega a ser cumprida.

Apesar da guerra eminente, não passam despercebidas dois outros destaques de primeira página. A 9 de Dezembro, na Polónia, Lech Walesa é eleito, à segunda volta, e confirmado como Presidente da República. O mesmo cargo que, na Sérvia, é assumido por um homem que o mundo passa a conhecer pelas piores razões: Slobodan Milosevic.

Publicado no Expresso das Ilhas (Cabo Verde), n.º 476, de 12 de Janeiro de 2010